PSD - Procura manter a invencibilidade nas autárquicas
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Valpaços
Valpaços é um dos concelhos do distrito de Vila Real onde o PSD sempre governou e com maiorias expressivas. A última das quais nas eleições de 2017, arrecadando seis dos sete mandatos. O outro vereador é do PS.
Desde 1976, o PSD fez sempre parte dos executivos vencedores, embora nas eleições de 1979 formando parte da Aliança Democrática, que também integrava o CDS e o PPM. O atual presidente da Câmara, Amílcar Almeida, é candidato a um segundo mandato. Valpaços tem-se, ao longo de décadas, assumido como um dos principais bastiões do Partido Social Democrata no norte do país. No contexto das eleições autárquicas do próximo dia 26 de setembro, o PSD de Valpaços quer fazer história com a revalidação do mandato de Amílcar Castro Almeida com uma vitória ainda mais esmagadora daquela que se assistiu nas autárquicas de há 4 anos.
Ainda no contexto das autárquicas de 2021, José Silvano, secretário-geral do PSD, está convicto de que “a influência que o poder autárquico tem no meio empresarial e social nos pequenos concelhos permite essa perpetuação” de um partido numa câmara municipal. Um fenómeno nascido “nas primeiras autárquicas onde existiu, claramente, uma empatia, entre o partido e o candidato, influenciada pelas eleições para a Assembleia Constituinte no ano anterior”.
O social-democrata considera que os partidos na oposição, quaisquer que sejam, ficam colocados numa posição de desgaste porque “se cria um efeito psicológico de perda”. “Aqui, por norma, não se fazem grandes apostas, concorrer para perder não atrai candidatos que podiam ser mais fortes”, explica.
Em Boticas, por exemplo, autarquia com sucessivas maiorias do PSD, o PS não tem candidato à presidência da câmara, “formalmente, apoiam um independente”.
“É exatamente isso”, diz Luís Sousa, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. “Estruturas locais invadidas pelo partido no sentido de tornar o presidente de câmara omnipotente e omnipresente, redes que se criaram nesses primeiros anos, de que as associações de estudantes dessa altura são exemplo da partidarização, e que se espalhavam pelo resto”. Houve mudanças? “Ainda hoje é assim”.
José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto socialista, afirma que “só uma grande proximidade e confiança da população nos projetos e nas pessoas que interpretam as estratégias socialistas (a autonomia administrativa e financeira; a descentralização e o reforço dos poderes regionais e as políticas sociais de saúde; habitação; emprego; transportes e mobilidade; valorização do espaço público e da qualidade democrática) pode justificar a manutenção de funções maioritárias por tanto tempo” e explica que “no estudo que realizámos, é possível verificar que quando a população escolhe os autarcas do PS, fá-lo depois consecutivamente e por vários mandatos”.
Outra explicação é a “matriz transterritorial socialista”, identificada por Raul Lopes, investigador integrado do Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território e professor associado do departamento de Economia Política na Escola de Ciências Sociais e Humanas no ISCTE-IUL, que José Luís Carneiro sintetiza numa frase: “Somos o maior partido do poder local e estamos em todos os territórios. De norte ao sul. Do litoral ao interior. E nas regiões autónomas. Nos centros urbanos e nos concelhos rurais”.
Raul Lopes acrescenta uma análise temporal. “O PSD há três eleições que perde influência... e perde para o PS. Ao contrário do que é vulgar ouvir-se, o PS não cresce à custa do BE e do PCP. Se somarmos os votos dos três partidos, o bloco da “geringonça”, nas autárquicas, verificamos que não existe uma perda. E o PSD? Bom... o PSD alimenta-se do CDS”.
E quando se perde um bastião, uma autarquia histórica? “Recuperar não é fácil. Transformam-se em casos difíceis. O candidato que ganhou só perderá, nas próximas eleições, se for muito mau. Só se fizer muitas asneiras”, garante José Silvano.
Jorge Cordeiro, membro da Comissão Política e do Secretariado do Comité Central do PCP, por seu lado, considera que “os resultados eleitorais da CDU são inseparáveis da conjugação de fatores de influência política geral e do trabalho que realizamos nas autarquias” e sublinha que “sendo verdade que o valor do nosso trabalho autárquico e do apoio que lhe é reconhecido concorre para manter posições maioritárias, não é menos verdade que em concelhos onde o diferencial entre influência nacional e local é maior, mais exigente se torna obter posições maioritárias”.
Outra leitura (um recado dirigido aos socialistas?), é o facto de “em zonas de maior influência da CDU haver a concentração do voto à direita no PS, que conduz e obriga a que em vários casos a CDU com 40% e mais de votação não consiga ser força maioritária”.
Francisco Tavares, secretário-geral do CDS, defende que “mais do que os partidos, o que conta aqui são as pessoas. A população sente-se representada por aquele que apresenta obra”.
“Nos pequenos concelhos acredito que seja mais valorizada a pessoa do que o próprio partido, mas haverá, certamente, alguns sítios onde o hábito de votar num partido, num símbolo, seja mais forte, onde a matriz ideológica seja vincada”, acrescenta.
E é aqui que, segundo o dirigente centrista, estão as dificuldades para a oposição porque “as pessoas não estão disponíveis para ouvir outras propostas. Não querem saber de outros partidos.”
O investigador Luís de Sousa identifica vários fatores que alimentam o perpetuar do poder: “O momento de transição repleto de episódios que poderão ter marcado o eleitorado numa determinada comunidade local e influenciado o voto”; o facto de que nem todos os partidos estavam devidamente representados por todo o território e em alguns casos as estruturas descentralizadas eram muito precárias, com fracos recursos e pouca capacidade para atrair “os melhores elementos da terra”; e a forma como o partido, depois de ter conquistado a autarquia, procurou ocupar, de forma tentacular, os demais poderes ou forças vivas da comunidade local (misericórdias, clubes de futebol, agremiações culturais, bombeiros, etc)”.
“O próprio sistema eleitoral, na regra de conversão de votos em mandatos, é bastante desproporcional e penalizador das forças políticas mais pequenas, portanto não é facilitador de mudança, mas garante de estabilidade e governabilidade... e portanto de perpetuação no poder. A organização do poder local também concentra demasiados poderes na figura do presidente de câmara. A omnipotência e omnipresença dos presidentes de câmara no sistema político local são também dois fatores que gravemente prejudicam o pluralismo e alternância no poder”, acrescenta.
E o que explica o fracasso das oposições, ano após ano - e já passaram 12 eleições autárquicas -, nas 31 câmaras que desde 1976 são geridas pelo mesmo partido? “O exercício tentacular do poder deixa pouca margem na sociedade civil para que possam ser discutidas ideias e projetos diferentes. As pessoas não estão para se chatear, outras receiam represálias. É mais fácil pactuar com o poder instituído”, afirma.
Mas, também existe a fraqueza “muitas das vezes de organização, de elites (de candidatos disponíveis, com qualidade e as skills necessárias), de apoio (financeiro, logístico, estratégico) das estruturas nacionais, que muitas das vezes olham para um determinado município como um caso perdido ou então oferecem soluções com pouca aceitação local”.
André Freire, professor catedrático em Ciência Política, explica que as dificuldades das oposições assentam “no bom desempenho, na gestão a longo prazo” de quem está no poder, na “interdependência” criada entre as “lideranças fortemente pessoalizadas” e as “estruturas locais”, as “redes políticas estendidas pelas forças sociais, económicas e culturais”. Em síntese, afirma, as “relações consolidadas” numa “proximidade de porta a porta”.
O padrão eleitoral repete-se nas legislativas? “Se houver, é uma fidelização ao partido, não havendo, estamos perante um poder local enraizado”, afirma. O conceito de que os fatores nacionais têm um impacte importante, persistente e estrutural nas eleições de segunda ordem é visível “nas áreas metropolitanas, mas esbate-se no interior, nos meios mais pequenos”, afirma.
“É preciso ter em conta, quem são os cabeças-de-lista; qual é o historial das diferentes formações; quais são as questões prioritárias na comunidade em questão; como é que o poder é exercido e há quanto tempo o mesmo partido está no poder; quais as ligações do partido com as forças vivas da comunidade, etc.”, considera Luís Sousa.
Ou, como afirma Teresa Ruel, professora de Ciência Política no ISCSP - UL, é preciso compreender “as redes de relações estabelecidas entre o presidente da câmara e as associações locais” .
Dito de outra forma: “Quando estamos a falar de municípios onde o mesmo partido (que pode ou não ser um partido de governo) se perpetua no poder desde 1976, dificilmente se deve à influência dos ciclos eleitorais a nível nacional”, nota Luís Sousa.
De facto, nas nove câmaras históricas do PCP só em duas existe uma plena fidelização partidária (voto no mesmo partido nas autárquicas e nas legislativas); no PS, o valor é ligeiramente superior: quatro câmaras em onze; e é no PSD que a fidelização é maior: oito concelhos em 11.
Avis e Mora fazem o pleno no PCP; Alenquer, Campo Maior, Gavião e Reguengo de Monsaraz no PS; Arcos de Valdevez, Boticas, Calheta, Câmara de Lobos, Mação, Oleiros, Penedono e Valpaços são as autarquias onde os eleitores votam PSD quer sejam eleições autárquicas ou legislativas.
Explicação única? Não há. “É preciso também compreender se os eleitores valorizam o pluralismo, a concorrência, a alternativa de poder e a alternância como essenciais à democracia e se sim, porque é que decidem perpetuar os mesmos partidos no poder quando têm a possibilidade de mudar. Poderá ser o receio de mudar para pior, poderá ser a sensação de insegurança, poderá ser a noção de que o poder instituído já gera suficiente alternância e renovação por dentro... é preciso aprofundar estas possíveis explicações”, conclui Luís Sousa.
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